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Artigo – Os servidores públicos frente ao novo regime fiscal

Por Neuriberg Dias

O Congresso Nacional concluiu a tramitação do Projeto de Lei Complementar nº 93/2023, de autoria do Poder Executivo, enviado para instituir o novo regime fiscal sustentável em substituição ao teto de gastos previsto na Emenda Constitucional 95/2019, cuja extinção foi autorizada em 2022, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 126, durante a transição do governo Lula, a partir da vigência da lei complementar resultante do PLP 93/23.

O fim do teto de gastos foi um passo decisivo para garantir o fortalecimento do Estado, mas o novo regime fiscal que teve apreciação concluída no legislativo, que manteve restrições fiscais da EC 95/2016, traz enormes desafios para o serviço público e Estado, como bem resume o consultor do DIAP, Luiz Alberto dos Santos, ao analisar a proposta inicial e a que será submetida à sanção presidencial, a saber:

1) Cria novo teto de despesas, a partir de 2024, de caráter permanente, mas passível de alteração por lei complementar futura, com base na despesa primária autorizada em 2023 pela Lei Orçamentária Anual, considerados os créditos suplementares e especiais vigentes na data de promulgação da Lei Complementar, relativas ao respectivo Poder ou órgão referido no caput deste artigo;

2) Permite a correção do valor base, em 2024, pela inflação aferida pelo IPCA de julho de 2022 a junho de 2023, acrescida de um percentual de aumento real de 0,6% a 2,5% acima do IPCA. Após 2024, a despesa do ano anterior, corrigida pelo IPCA de julho a junho e aumento real nos mesmos limites;

3) Condiciona o aumento real da despesa, a cada ano, ao atingimento de metas fiscais fixadas pela LDO, e limitada ao aumento real da receita primária recorrente. Se a meta for atingida, o aumento real da despesa poderá ser de até 2,5% acima do IPCA, mas limitado a 70% do aumento real da receita primária recorrente. Se a meta fiscal não for alcançada, aumento real da despesa de 0,6%, limitado a 50% do aumento real da receita;

4) Exclui, da base de cálculo e do limite de despesas, de

I – transferências constitucionais: a. de royalties para Estados, DF e Municípios b. da Parcela dos Estados, DF e Municípios na arrecadação do SIMPLES c. da Parcela dos Estados, DF e Municípios na arrecadação do IOF sobre ouro d. ao FPM e FPE e. de cotas do salário educação dos Estados, DF e Municípios f. Para o Fundo Constitucional do DF;

II – créditos extraordinários a que se refere o § 3º do art. 167 da Constituição; (EC 95);

III – as despesas nos valores custeados com recursos de doações ou com recursos decorrentes de acordos judiciais ou extrajudiciais firmados para reparação de danos em decorrência de desastre; (EC 126);

IV – as despesas das universidades públicas federais, das empresas públicas da União prestadoras de serviços para hospitais universitários federais, das instituições federais de educação, ciência e tecnologia vinculadas ao Ministério da Educação, dos estabelecimentos de ensino militares federais e das demais instituições científicas, tecnológicas e de inovação, nos valores custeados com receitas próprias, ou de convênios, contratos ou instrumentos congêneres, celebrados com os demais entes federativos ou entidades privadas; (EC 126)

V – as despesas custeadas com recursos oriundos de transferências dos demais entes federativos para a União destinados à execução direta de obras e serviços de engenharia;

VI – as despesas com saldos de precatórios de alto valor (§ 20 do art. 100) e despesas com precatórios pagos por acordo com redução de 40% (§3º do art. 107- A do ADCT, incluído pela EC 114);

VII – as despesas com quitação de precatórios utilizados para quitação de dívidas tributárias ou utilizados em compras de ativos (privatizações) ou concessões etc. (art. 100, § 11 da CF) ou contratos de financiamento, parcelamentos de débitos com a União ou ressarcimentos ao erário (§ 21 do art. 100 da CF).

VIII – despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização de eleições; (EC 95)

IX – transferências para Estados, DF e Municípios da participação nas receitas de concessões florestais (art. 39 da Lei nº 11.284, de 2006) e na receita de imóveis da União alienados (art. 17 da Lei nº 13.240, de 2015; e

X – quanto a essas exclusões, o texto aprovado é mais rigoroso do que a proposta do Executivo, pois passam a ser contabilizados no teto de despesas – contra a vontade do Governo Lula – as despesas com atualização de precatórios, as transferências aos fundos de saúde dos Estados, DF e Municípios para cumprimento dos pisos salariais de enfermeiro, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem e a parteira, com aumento de capital de empresas estatais não financeiras e não dependentes, e as relativas à cobrança pela gestão de recursos hídricos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (Lei nº 9.433, de 1997, e Lei nº 10.881, de 2004, que são repassadas às agências de águas.

5) Define que a variação real da receita primária recorrente considerará os valores acumulados no período de 12 (doze) meses encerrado em junho do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária anual, descontados da variação acumulada do IPCA, apurada no mesmo período;

6) Exclui, do cálculo da receita primária, para fins de apuração do limite para o “aumento real” da despesa (receita primária recorrente disponível) I- receitas primárias de concessões e permissões; II- receitas primárias de dividendos e participações; III- receitas primárias de exploração de recursos naturais; IV- receitas primárias de que trata o parágrafo único do art. 121 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (recursos das contas do PIS-PASEP não reclamados); V- receitas de programas especiais de recuperação fiscal, criados a partir da publicação da Lei Complementar; e VI- transferências legais e constitucionais por repartição de receitas primárias. Também nesse ponto, o texto aprovado ampliou a exclusão de receitas, que na proposta original incluíam na base de cálculo da receita os itens IV e V;

7) Inclui a previsão de que, caso o resultado primário do Governo Central apurado, relativo ao exercício anterior, seja menor que o limite inferior do intervalo de tolerância da meta, fixado pela LDO, e além da redução do limite de aumento real da despesa, aplicam-se imediatamente, até a próxima apuração anual, as vedações previstas nos incisos II, III e VI a X do art. 167-A da Constituição Federal.

Se o resultado fiscal, por 2 anos seguidos, for menor que o limite inferior do intervalo de tolerância da meta, aplicam-se, imediatamente, enquanto perdurar o descumprimento, as vedações previstas nos incisos I a X do art. 167-A da Constituição Federal.

Nos dois casos, o Presidente da República poderá enviar mensagem ao Congresso Nacional acompanhada de projeto de lei complementar que proponha a suspensão parcial ou a gradação das vedações, demonstrando que o impacto e a duração das medidas adotadas serão suficientes para compensar a diferença havida entre o resultado primário apurado de que trata o caput deste artigo e o limite inferior do intervalo de tolerância.

O texto aprovado, assim, adota a previsão contida no art. 163, parágrafo único da CF, que permite a aplicação das restrições e vedações do art. 167-A, por lei complementar, para assegurar “trajetória sustentável” da dívida púbica.

Se a meta não for atingida no primeiro ano, haverá a adoção imediata das seguintes vedações: I. criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa; II. alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa; III. criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e de militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo; IV. Criação de despesa obrigatória; V. adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, ressalvada a política de valorização do salário-mínimo; VI. criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções; VII. concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária. Se a meta não for alcançada por 2 anos consecutivos, aplicam-se, ainda: I. a vedação de concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e de militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de ajuste; II. admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa; as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios; as contratações temporárias e as reposições de temporários para prestação de serviço militar e de alunos de órgãos de formação de militares. III. realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias.

Repetem-se, assim, vedações já adotadas durante a vigência do art. 8º da Lei Complementar 173, de 2020, o que tende a agravar ainda mais o estado de sucateamento da máquina pública e prejudicar a sua atuação em benefício da população em todos os setores, visto que não há nenhuma excepcionalização.

8) Incorpora à Lei Complementar a regra prevista no art. 107 do ADCT, que seria revogado quando de sua publicação, passando a constar como regra permanente a aplicação de um limite para as despesas obrigatórias, de 95% da despesa primária total. Caso atingido o limite, aplicam-se, integralmente, e de forma imediata, as vedações contidas no art. 167-A da CF, de forma imediata, sem a graduação prevista no art. 6º (aplicável no caso de descumprimento da meta fiscal), exceto quanto ao aumento do salário-mínimo. O Presidente da República poderá enviar mensagem ao Congresso Nacional, acompanhada de projeto de lei complementar que proponha a suspensão parcial ou a gradação das vedações, demonstrando que o impacto e a duração das medidas adotadas serão suficientes para a correção do desvio apurado;

9) No caso dos Poderes Legislativo e Judiciário e do MPU, respeitado o somatório das dos limites dos respectivos órgãos, a lei de diretrizes orçamentárias poderá dispor sobre a compensação entre os limites individualizados dos órgãos.

10) Descaracteriza infração à Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), no caso de descumprimento do limite inferior da meta de resultado primário, relativamente ao agente responsável, desde que tenha adotado, no âmbito de sua competência, as medidas de limitação de empenho e pagamento, preservado o nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública; e não tenha ordenado ou autorizado medida em desacordo com as vedações previstas nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar (observância dos limites de aumento da despesa em relação ao aumento da receita disponível e aplicação das medidas de contenção de despesas do art. 167-A da CF);

11) Estabelece como nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública 75% do valor autorizado na respectiva lei orçamentária anual;

12) Permite que, se o resultado primário do Governo Central for maior que o limite superior do intervalo de tolerância fixados nos termos da LRF, o Poder Executivo federal amplie as dotações orçamentárias, em valor equivalente a até 70% do montante excedente, e até 0,25 p.p. (vinte e cinco centésimos ponto percentual) do PIB do exercício anterior (ou R$ 26,2 bilhões, em 2024, se considerado o PIB para 2023 estimado pelo PLDO 2024), por meio de crédito adicional, para investimentos e inversões financeiras em programas habitacionais que incluam em seus objetivos a provisão subsidiada ou financiada de unidades habitacionais novas ou usadas, exceto se for apurado déficit no resultado primário.

13) Fixa o montante mínimo de 0,6% do PIB para investimentos e inversões financeiras em programas habitacionais, em cada ano;

14) Altera a LRF, para incluir intervalos de tolerância para verificação do cumprimento das metas anuais de resultado primário, de menos 0,25 p.p. (vinte e cinco centésimos ponto percentual) e de mais 0,25 p.p. (vinte e cinco centésimos ponto percentual) do PIB previsto no respectivo projeto de lei de diretrizes orçamentárias. Para 2024, esses intervalos seriam de déficit de R$ 28,7 bilhões, ou superavit de R$ 28,7 bilhões;

15) Em 2024, o limite do Poder Executivo poderá ser ampliado por crédito suplementar, após a segunda avaliação bimestral de receitas e despesas primárias, em montante decorrente da aplicação da diferença entre 70% (setenta por cento) do crescimento real da receita para 2024 estimado nessa avaliação em comparação com a receita arrecadada em 2023 e o índice calculado para fins do crescimento real do limite da despesa primária do Poder Executivo estabelecido na lei orçamentária anual para 2024, respeitado o limite 2,5% acima do IPCA. Se ao final do exercício financeiro de 2024, o montante ampliado da despesa primária for superior ao calculado com base em 70% do crescimento real de receita primária efetivamente realizada, a diferença será reduzida da base de cálculo e subtraída do limite do exercício financeiro de 2025.

Foi possível manter avanços na proposta encaminha pelo governo ao manter áreas importantes fora do novo limite de gastos, mas durante a sua tramitação foram incorporadas mudanças pelo relator na Câmara dos Deputados e, posteriormente, mantidas no Senado Federal, que preservaram a diretriz fiscalista com medidas de ajuste fiscal e controle de gastos públicos.

Além do crescimento da economia e seus impactos na arrecadação de tributos, para cumprir as metas fiscais o governo dependerá da boa vontade do Congresso Nacional para aprovação de medidas complementares que garantam o aumento de receita para redução do déficit público ainda em 2024 e 2025, que foi em grande medida herdado dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro.

Por outro lado, caso as receitas não sejam suficientes para cumprir as regras, a redução de despesas será inevitável, o que recairá sobre os servidores públicos, com grandes dificuldades na negociação para reajuste, concursos públicos e ainda, como tem feito o presidente da Câmara dos Deputados nas suas participações em eventos empresariais, aumentar a pressão pela votação da PEC 32/2020, da Reforma Administrativa,

Agora, além da defesa de alguns vetos necessários ao texto aprovado, caberá arregaçar as mangas para negociar e mobilizar a sociedade e categorias na defesa das pautas e reivindicações dentro dessas novas regras fiscais. E, no Poder Legislativo, exigirá um acompanhamento orçamentário constante e uma atuação redobrada na tramitação de proposições de interesse dos servidores públicos.

Neuriberg Dias é Analista Político, Diretor de Documentação do DIAP licenciado e Sócio-Diretor da Contatos Assessoria Política. 

Comunicação/Cal/Pública/2023 

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